Comete
ato ilícito, passível de indenização, o advogado que recebe valores para um
determinado propósito e os retém para si, sem prestar contas ou apresentar
justificativa plausível.
Além de
causar abalo de confiança e atentar contra os direitos do consumidor-cliente, a
sua conduta vai na contramão do que prega o Código de Ética e Disciplina da
OAB.
Com esse
entendimento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve, na íntegra,
sentença que condenou em dano moral e material uma advogada da Comarca de
Taquara que reteve R$ 5,5 mil do seu cliente, dinheiro que era destinado a
depósitos judiciais.
O
colegiado também referendou o valor arbitrado para compensar o abalo moral, de
R$ 10 mil.
A
relatora do recurso na 15ª. Câmara Cível, desembargadora Ana Beatriz Iser,
afirmou no acórdão que a própria advogada reconheceu, em seu apelo, que se
apropriou dos valores destinados à realização de depósitos judiciais.
Para ela,
a falta de motivo para retenção dos valores justifica a condenação
indenizatória arbitrada na origem, sobretudo considerando o caráter pedagógico
da medida.
‘‘Destaco
que o fato de o autor ter sido mantido na posse do bem não altera o decidido,
pois a retenção indevida de valores pela ré resta materializada’’, justificou a
relatora. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento ocorrida em 16 de
abril.
Ação indenizatória
Em maio de 2010, o cliente-autor entabulou contrato de prestação de serviços
jurídicos com a advogada-ré, visando ajuizar ação revisional contra uma
instituição de crédito, que tramitou na 2ª. Vara Cível da Comarca de Taquara.
Conforme
o combinado, pagou os R$ 900,00 de honorários em nove parcelas mensais de R$
100,00.
No curso
da ação, o juízo aceitou a proposta do autor, que consistia em depositar
judicialmente os R$ 5.569,90 que entendia dever à financeira, em 13 parcelas
mensais de R$ 556,90, a fim de manter sob sua posse o veículo financiado.
Assim,
mensalmente, o autor entregava o dinheiro à advogada, incumbida de fazer os
depósitos.
No
entanto, conforme alegou na inicial, a advogada fez apenas três depósitos, isso
depois de a financeira ter ingressado com Ação de Busca e Apreensão por quebra
do acordo.
A
apreensão só foi revertida após o autor ter firmado novo acordo com o credor,
retomando o automóvel.
Interpelada
pelo autor para que explicasse a razão da ausência de comprovação dos depósitos
judiciais – segundo registra o processo –, alegava que os papeis ‘‘estavam na
mesa do juiz’’. Também afirmava que havia feito os depósitos e estava ‘‘cheia
de serviço’’.
Sentindo-se
lesado, o autor ajuizou ação indenizatória contra sua procuradora, pedindo que
fosse determinada a devolução do dinheiro entregue e, também, arbitrada
indenização por danos morais.
Na
contestação, a advogada admitiu que alguns depósitos deixaram de ser feitos nas
datas corretas, não por má-fé, mas por equívocos.
Garantiu
que os depósitos faltantes foram integralizados em maio de 2011. Atribuiu a
falha a problemas pessoais e à rotatividade de funcionários do escritório.
Apesar de tudo, disse que o autor ficou na posse do bem. Logo, não se poderia
falar em dano moral.
A sentença
O juiz Juliano Etchegaray Fonseca, da 1ª Vara Cível daquela comarca, reconheceu
que a conduta da advogada levou à apreensão do veículo do autor. Isso, por si
só, ‘‘traduz-se em prática atentatória aos direitos dos consumidores’’, em
função do abalo da confiança.
Citando a
Constituição, o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética e Disciplina da OAB,
o julgador lembrou que o advogado presta serviço público e exerce função
social.
Por isso,
precisa seguir os preceitos éticos, para ser merecedor de respeito e contribuir
para o prestígio da advocacia.
‘‘Os
problemas de ordem pessoal alegados não podem servir de subterfúgio para o
cometimento de atos ilícitos por parte demandada no exercício de sua profissão,
tendo sua conduta rompido a confiança que se faz necessária entre o cliente e
seu advogado, entre o consumidor e o prestador de serviços, tendo tal fato
ultrapassado os meros dissabores também equivocadamente invocados pela ré, o
que só demonstra a ausência de consciência acerca do conteúdo nefasto de seu
comportamento perpetrado neste e em outros casos análogos’’, escreveu na
sentença.
Demonstrada
a retenção indevida e injustificada, o juiz deferiu a reparação por danos
patrimoniais.
Determinou
a restituição das quantias retidas, com o abatimento dos valores depositados
fora do tempo pela ré, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais,
tudo a ser apurado em liquidação de sentença, conforme previsão do artigo
475-B, caput, do Código de Processo Civil.
O juiz
também deferiu a reparação extrapatrimonial, pois reconheceu que a conduta
também causou ao cliente lesado dano moral na forma in re ipsa – que decorre do
próprio fato, independentemente da comprovação do abalo psicológico sofrido
pela vítima. Valor arbitrado: R$ 10 mil