Com mais brasileiros viajando ao exterior, e muitos
deles em busca de eletrônicos a preços mais baratos do que os encontrados no
Brasil, estão se tornando mais frequentes os casos de pessoas que precisam de
assistência técnica para produtos comprados fora do país e que apresentam
defeitos.
E muitas
delas provavelmente terão dificuldade em consertar esses produtos: a maioria
das multinacionais aqui no Brasil não dá garantia a eletrônicos comprados no
exterior.
· Brasil
A pedido
da BBC Brasil, o site Reclame Aqui calculou ter recebido, apenas entre 1º de
maio e 31 de outubro deste ano, 909 reclamações de consumidores relacionadas a
eletrônicos adquiridos fora do país.
O
Procon-SP ainda não tem números a respeito, mas tem recebido mais queixas sobre
produtos importados e avalia que o problema deve crescer.
"Com
mais compras na internet e mais viagens ao exterior, temos mais questionamentos
de consumidores", diz Fátima Lemos, assessora técnica do órgão. "As
empresas resistem a atender esses casos, mas achamos que elas não devem negar
assistência. Recebemos demandas desse tipo e vamos mediar essa questão."
Em casos
que chegaram à Justiça nos últimos anos, há algumas decisões favoráveis aos
consumidores. O argumento dos juízes desses casos é de que a filial brasileira
e sua matriz "são parte do mesmo grupo econômico" e, por isso, têm
responsabilidade compartilhada sobre os produtos.
"O código (de defesa do consumidor) está
sujeito a interpretações, (e uma delas é de que) ele se aplica a produtos
vendidos no Brasil. Muitos consumidores compram produtos fora achando que sua
assistência é mundial, e não é"
A BBC
Brasil consultou as filiais brasileiras de 11 multinacionais de eletrônicos
(veja no quadro), e são poucas as que estendem sua garantia a produtos
comprados no exterior. A maioria afirma que a cobertura da garantia está
limitada ao país de compra e que isso é avisado nos manuais de uso.
Reconhecimento
internacional
"A
empresa se apega ao fato de sua garantia ser nacional, mas ela atraiu seu
consumidor justamente por ser reconhecida internacionalmente", argumenta
Lemos. "Se a marca se beneficia de ser transnacional, pelo princípio do
equilíbrio previsto no Código de Defesa do Consumidor, ela tem de dar
assistência."
O
Procon-SP afirma que a legislação traça princípios gerais, como
responsabilidade do fornecedor, prestação adequada de serviços e equilíbrio na
relação de consumo.
Já
Mauricio Vargas, criador do site Reclame Aqui, avalia que o caso não é tão
simples, uma vez que a lei não tem um artigo claro a respeito disso.
"O
código está sujeito a interpretações, (e uma delas é de que) ele se aplica a
produtos vendidos no Brasil. Muitos consumidores compram produtos fora achando
que sua assistência é mundial, e não é."
Em 2010,
o carioca Luis Felipe Pinheiro Sym, 32, encomendou um notebook da cunhada que
mora nos Estados Unidos, "porque o aparelho era de uma empresa conceituada
(no caso, a Sony) com atuação no Brasil".
Em alguns
meses, diz ele, o notebook parou de funcionar. A cunhada levou-o de volta aos
Estados Unidos, onde a placa-mãe foi trocada. Mas meses depois, com o
computador de volta ao Brasil, o problema voltou. E Pinheiro não conseguiu mais
consertá-lo.
"Eu só comprei porque achei que teria
assistência aqui. Agora não tenho o que fazer. Estou usando o celular mesmo com
o defeito, mas (técnicos) me falaram que ele pode piorar com o tempo"
Dhiego Pento
Rosa
"Quando
consultei a Sony no Brasil, eles me informaram que a garantia não era coberta.
Fiquei com um aparelho inutilizado, que custou uma grana preta. Desisti
dele."
Questionada
pela BBC Brasil, a assessoria de imprensa da Sony confirmou que sua garantia
não é válida para importados, "mas sua rede de suporte pode atender aos
produtos mediante disponibilidade das peças e aprovação de orçamento".
Recibo
Alguns
consumidores dizem também ter recebido, de vendedores nos Estados Unidos, a
informação de que suas compras teriam direito à assistência técnica no Brasil.
"(O
vendedor) me deu um recibo válido em qualquer país, mas não adiantou",
conta Dhiego Pento Rosa, 25, que comprou um celular da Samsung em Miami, em
maio. Ele diz que tentou contato com três assistências técnicas brasileiras ao
descobrir uma mancha na tela do aparelho. Nenhuma aceitou a garantia do
produto.
"Eu
só comprei porque achei que teria assistência aqui. Agora não tenho o que
fazer. Estou usando o celular mesmo com o defeito, mas (técnicos) me falaram
que ele pode piorar com o tempo."
Questionada
a respeito de sua política para produtos comprados no exterior, a Samsung não
respondeu até a publicação desta reportagem.
O
consultor G., de Vitória (ES), que pediu à reportagem para não ser
identificado, também achou que teria garantia mundial ao comprar um rádio
Motorola no exterior. Mas, quando o produto parou de funcionar, em outubro do
ano passado, ele não conseguiu que a empresa, ou uma assistência autorizada,
consertasse o aparelho.
Em
resposta à queixa dele no Reclame Aqui, na última quarta-feira, a Motorola diz
que, pelo fato de o produto ser importado, "não temos como oferecer
suporte, uma vez que as tecnologias são diferentes". Consultada pela BBC
Brasil, a empresa diz que a garantia "não é estendida a produtos
adquiridos no exterior ou importados por consumidores ou terceiros não
autorizados".
A BBC Brasil consultou 11 multinacionais sobre suas políticas de garantia a importados:
Apple | Em seu site, a empresa diz que "no caso de clientes protegidos pelas leis de proteção ao consumidor do país onde a compra foi feita ou que eles residem, os benefícios conferidos pelas garantias da Apple somam-se a todos os direitos e medidas aplicáveis cobertos por essas regulamentações e leis de proteção ao consumidor". A assessoria da Apple afirma que os termos das garantias "variam de acordo com o produto. De forma simplificada, a Apple oferece garantia mundial para seus produtos. No entanto, no caso específico dos iPhones a garantia é limitada ao país onde foi comprado". |
Dell | "A Dell informa que oferece assistência técnica a todos os modelos de equipamentos comprados no exterior que também são vendidos no Brasil. Quando os equipamentos que necessitam suporte técnico forem adquiridos no exterior, mas não são vendidos no Brasil, a Dell oferece atendimento via telefone ou mídias sociais". |
HP | "O termo de garantia que acompanha os produtos da HP estabelece que é possível oferecer suporte no Brasil a um produto que tenha sido adquirido em outro país, desde que exista uma empresa subsidiária da HP no país onde se pretende utilizar a garantia e o produto respectivo tenha sido introduzido nesse país". |
LG | "A garantia é apenas para produtos produzidos ou adquiridos no Brasil, não vale para produtos adquiridos no exterior". |
Microsoft | Não respondeu até a publicação desta reportagem |
Motorola | "Oferece garantia aos produtos fabricados ou importados diretamente pela empresa para a comercialização no país, conforme prevê a legislação brasileira e de acordo com os termos descritos no certificado de garantia dos aparelhos da marca. Esta garantia não é estendida aos produtos adquiridos no exterior ou importados por consumidores ou terceiros não autorizados". |
Nikon | A empresa preferiu não se pronunciar sobre o tema; informou apenas que segue as recomendações do Código de Defesa do Consumidor. |
Nokia |
"A garantia do produto tem cobertura no país de compra e isto está especificado para o consumidor no Manual do Usuário. (No caso de problemas com importados), o consumidor pode procurar uma assistência autorizada e solicitar orçamento para reparo. A garantia só cobre no país onde o produto foi comprado, porém o atendimento autorizado de produtos pode ser realizado em qualquer país onde a Nokia atue".
|
Panasonic |
"A Panasonic fornece assistência técnica aos produtos comercializados no exterior em seus países de origem".
|
Samsung |
Não respondeu até a publicação desta reportagem
|
Sony | "Produtos adquiridos em outros países ou por importadores independentes não possuem a garantia assegurada pela empresa, mas sua rede de suporte pode atender aos produtos mediante disponibilidade de peças e aprovação de orçamento". |
Justiça
Para pessoas que se sintam lesadas, é
possível acionar o Procon ou o juizado especial cível mais próximo, segundo
Christian Printes, advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor).
E, ao comprar produtos importados,
Lemos, do Procon-SP, e Printes recomendam guardar todos os comprovantes e
manuais da compra, conferir se as configurações do aparelho são compatíveis com
as configurações existentes no Brasil, verificar se a fabricante do produto tem
representação no Brasil e, se a compra for feita em sites estrangeiros, checar
sua política de troca e atendimento.
Para Mauricio Vargas, do Reclame Aqui,
as dores de cabeça com a assistência técnica podem fazer com que o benefício de
se pagar mais barato no exterior acabe sendo anulado pelos gastos com eventuais
consertos no Brasil. "Comprando aqui, pelo menos você tem garantia. Senão,
às vezes o barato sai caro."
Essas dores de cabeça já fazem a
jornalista e professora Adriana Teixeira, 43, repensar a ideia de comprar um
PlayStation 4 – que deve custar R$ 4 mil no Brasil, contra US$ 400 nos Estados
Unidos – em sua próxima viagem ao exterior.
Adriana diz que comprou um modelo anterior
do videogame cinco anos atrás, em uma loja brasileira. O produto quebrou após
três meses de uso, quando ela descobriu que o produto era importado e sem
garantia válida no país.
"Meu filho está pedindo o PS4,
mas não sei se vou comprar. Quem vai me dar assistência se eu precisar? O jeito
é levar a assistência em conta, na ponta do lápis, e ver se vale a pena caso o
produto quebre."
Fonte: BBC Brasil